06 março 2011

Pai Sofre XVII: minha Alice

É Carnaval.

Minha filha caminha pela sala com uma fantasia que a mãe lhe comprou: Alice.
Alice caiu no país das maravilhas; assim caí eu ao vê-la. Fui transportado pela sua inocência, em conjunto com o fim-de-semana, para o seu país.

No país da minha filha “Alice” não existe pressão, não existe desemprego, a comida vem ter à mão, o banho vem acompanhado por carinho, é-se limpo, mimado, amado e posto a dormir ao som de um “boa noite” meloso e verdadeiro. No seu país, todos sorriem à sua passagem, riem-se às suas tentativas de articular as palavras ou da sua forma engraçada de andar. No seu país ela é o centro do universo.

Tive inveja, por segundos, ao vê-la correr sorridente pela casa, segurando qualquer brinquedo na mão, cheia de esperança e vivacidade. Inveja pela ignorância d
o que o mundo realmente é: pouco maravilhoso. Viver assim, no desconhecimento do que nos rodeia, deve ser muito bom. Tudo é descoberta, tudo é realmente fantástico e maravilhoso, mesmo que a aprendizagem inclua algumas quedas e outras dores esporádicas. É pena que são, exactamente estes, os anos dos quais nos esquecemos.


Gostava de mantê-la assim: escondida do mundo real. Mantê-la no seu mundo inocente onde os gatos falam e as cartas não se jogam a dinheiro. Gostava de a manter nessa utopia da infância, protegê-la dos monstros, dos mentirosos, dos políticos, dos religiosos. Gostava de a escusar da violência que abunda pelo mundo. Gostava escondê-la deste pai actual: triste, desanimado e preocupado com o s
eu futuro e do seu(sua) irmão(ã) que ainda está para chegar.

Até terça-feira é Carnaval. Nada se leva a mal. Vou manter-me a aproveitar do mundo maravilhoso da minha filha “Alice”, aquele farto em riso, pureza e paz. Vou beber dessa esperança doce que ela traz no abraço. Vou descansar minha cabeça no seu colo e sorver todos os seus “miminhos acelerados”. Vou comunicar no seu idioma ininteligível (para alguns). Vou ver bonecos na televisão e cantar canções tolas. Vou ser feliz. Vou ser o seu “Cheschire Cat”.


Vou "orar" para que o tempo passe devagar e que não encontre o túnel de volta ao mundo pouco maravilhoso.


Também para o desafio "violência" (mas não muita, que já estamos a ficar fartos) para a "Fábrica de Letras":




7 comentários:

MA-S disse...

E ainda achas estranho eu ter perdido a "spark"...venho aqui e leio um pai "sparkless".

Tu ´tá maluco?!

Sahaisis disse...

Eu que esta noite vivi de (demasiado perto) a angústia de uma mãe ocorre-me dizer que nem que se queira muito os poderemos guardar e proteger para sempre. Mas estou em crer que vocês, pais, o tentarão sempre, e que maravilhoso isso é. Parabéns por esta narração da tua Alice e dos teus desejos de pai.

João Roque disse...

São tão legítimas as tuas preocupações de Pai...
Se todos pensassem assim, haveria mais Alices, nesse país de maravilhas.

Briseis disse...

Tão enternecedor...! O mundo pode ser essas coisas todas e até muito pior, mas enquanto os pequenotes tiverem um pai assim, que mesmo preocupado continua a saber vestir a pele do gato maluco, estarão sempre protegidos dos males e das dores! Talvez não de todos, mas dos piores...

Utópico disse...

A nós pais (e mães também) compete-nos proteger os nossos rebentos de tudo aquilo que os possa de alguma forma prejudicar, mas acima de tudo, compete-nos também explicar-lhes como o mundo é, como podem existir coisas más. Compete-nos acima de tudo prepará-los para a vida, para que aprendam a viver e a defender-se, pois só assim estão aptos a enfrentar as dificuldades e a ultrapassar os obstáculos que a vida lhes coloca no caminho.

Não podemos por isso baixar os braços, e tê-los sempre à mão para que eles se possam apoiar quando precisarem.

Catsone disse...

MA-S, por vezes (mais vezes do que queria) sou maluco.

Sahaisis, vi que escreveste um texto enorme mas que ainda não tive oportunidade de ler.

Pinguim, nós iniciamos a vida tão puros, é culpa nossa essa alteração da alma. É inerente e impossível de inevitável. Cabe a nós tentar minorar os "estragos".

Briseis, eu gosto pouco de gatos mas muito de malucos ;)

Utópico, vê lá que o que escrevi é tb uma utopia. Obviamente que os devemos preparar para a "batalha" no mundo real, mas não custa nada sonhar...

Johnny disse...

Preocupar não ajuda. É educar bem e esperar que tudo corra pelo melhor.